sexta-feira, 21 de outubro de 2011

No fluir do tempo: João de Barros, uma Figura Incontrolável da I República


No centenário da proclamação da República e aos cinquenta anos da morte de João de Barros propus-me evocar a memória deste insigne figueirense, republicano convicto que desempenhou cargos superiores no setor público, nomeadamente no domínio da educação, funções em que se destacou de forma relevante em prol de uma educação nova. Por outro lado, como pedagogista, os livros que publicou sobre a matéria tonaram-no uma referência indispensável ao conhecimento de uma época complexa, de grandes desafios para o país. Da sua variada obra debruço-me sobre esta última dimensão.
Em 1909 Barros desempenha no Porto as funções de secretário da comissão auxiliar das Escolas Móveis. Assinale-se que se deve a Casimiro Freire, afeto ao ideário republicano, a criação de “As Missões” de alfabetização no país e a fundação em 1882 da Associação de Escolas Móveis pelo método de João de Deus. Por seu turno, João de Barros em “A República e a Escola” revela que, aquando da sua passagem pela Direção-Geral de Instrução Primária em 1910, fez esforços para concretizar essa ideia de alfabetização do povo mas que se gorou por falta de acolhimento do Ministro. Assinale-se que a “chaga” do analfabetismo andava à volta de três quartos da população do país.
Todavia, de início os reformadores da República apostaram na modernização do ensino primário, na sequência do ensino infantil oficial (que embora legislado não chegou a passar do papel), com o intuito de criar “um homem novo”, bem como na reforma do ensino superior não sem o propósito de afrontar a hegemonia da Universidade coimbrã que sofrerá importantes remodelações. Em contrapartida, o ensino secundário não mereceu o mesmo cuidado que o dos níveis primário e superior. Para João de Barros “a reforma das estruturas escolares não deveria significar, automaticamente, a subordinação da atividade educativa aos objetivos estreitos da política partidária” [apud Rogério Fernandes, João de Barros: Educador Republicano, Livros Horizonte, p. 22].
Consumada a vitória de outubro 1910, Barros é convidado a elaborar um projeto de Reforma da Instrução Primária de parceria com João de Deus Ramos, amigo desde o tempo da Universidade. Porém, depois de terminado e publicado o documento no princípio de 1911, concluíram os seus autores que muito pouco tinha que ver com o projeto por si elaborado. Não passava de uma “cópia grosseira”. (Re)começaram então as desinteligências político-educativas que haviam de ensombrar a obra legislativa da República nesta área, mau grado alguns inegáveis contributos positivos na esfera educacional, ao longo dos dezasseis anos de democracia parlamentar.
Com efeito, já em 1911 João de Barros, na publicação “A Nacionalização do Ensino”, preconiza uma nova orientação educativa, aliás seguindo o pensar de Almeida Garrett (1779 - 1854): “Nenhuma educação pode ser boa se não for eminentemente nacional” [in “Da Educação”, Introdução]. Assim, a instrução e a educação para serem genuínas devem ter uma marca nacionalizadora ou patriótica e em conformidade com a ideologia laica. Entendia que republicanizar o país e a escola era enformar a nossa pedagogia de princípios educativos opostos àqueles que adotava a escola tradicional. Daí enfatizar o ensino neutro e/ou laico em matéria confessional e de igual modo um arreigado amor à Pátria e à República. Neste sentido, “o conceito de educação de João de Barros aproximava-se das preocupações dos nossos pedagogistas ligados ao programa filosófico-social da Geração de 70” (Antero de Quental, Eça de Queiroz, Oliveira Martins e outros” [apud Rogério Fernandes, idem, p.19]).
Desde dezembro 1917 ao mesmo mês do ano seguinte, vigorou no país o regime ditatorial de Sidónio Pais cujas reformas obviamente não tiveram futuro, após o seu assassinato. No entanto foi previsto por Regulamento a criação de associações escolares dirigidas por alunos onde se cante o hino nacional, se pratique o culto da bandeira, se comemorem datas históricas nacionais e se exaltem os feitos de portugueses notáveis. Esta orientação consagrada na legislação corresponde, ainda que limitada, ao pensamento de Barros na obra acima citada. Nessa publicação dá-nos o programa do que entende que deve ser feito: “Dê-se às gerações modernas, com a preparação geral que lhes é indispensável, a consciência da terra em que vivem, o sentimento do solo que pisam, do ambiente em que respiram, das tradições que representam, das possibilidades que temos nos nossos cérebros e nos nossos músculos de melhorar e de progredir, como indivíduos e como sociedade” [apud João de Barros, A Nacionalização do Ensino, p. 15]. 

João Figueira, Crónica, in “A Voz da Figueira”, Dezembro de 2010

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