Cinquenta anos depois
Completaram-se as iniciativas de homenagem ao ilustre figueirense Prof. Doutor Joaquim de Carvalho, cujo programa oficial contemplou diversas vertentes culturais centradas na vida e obra do notabilíssimo estudioso de grandes vultos nacionais e estrangeiros, bem como a sua relevante e distinta ação na Cátedra universitária, o que o tornou um sólido e abalizado divulgador, nomeadamente da cultura portuguesa. A Escola Secundária e a Associação que ostentam o seu nome, o Casino e a Câmara Municipal da Figueira da Foz, através da sua Biblioteca Pública, bem como o considerável número de intelectuais de diversas áreas do mundo da cultura que marcaram presença e/ou intervieram nas duas Tertúlias, dão bem a ideia de que Joaquim de Carvalho, a esta distância de cinco décadas em que muita coisa mudou, continua a ser uma figura prestigiada e uma referência incontornável. E isso honra-me, pois ainda o conheci vivo e fui seu aluno.
Passo a abordar os temas de educação e de pedagogia tão caros ao carismático Docente da FLUC, socorrendo-me de um texto seu pouco conhecido, julgo eu. O escrito destina-se a um ato de circunstância: a passagem por Coimbra, em Nov. de 1930 , do Prof. Adolfo Ferrière, figura grada da chamada Educação Nova. Coube ao Mestre universitário fazer a Apresentação do ilustre visitante. Recorde-se que a escolaridade secundária do jovem Carvalho decorreu no Colégio Liceu Figueirense (1902-11), um dos poucos estabelecimento de ensino do país concebido sob a inspiração das ideias da Escola Nova, já com considerável difusão na Europa. O ilustre Pensador figueirense iniciou a sua brilhante intervenção, valorizando a escola em geral e o seu papel na educação infantil, e fá-lo nos termos seguintes:
“Nem a política, nem a economia (...) salvarão a nossa civilização conturbada e dolorida; só a escola o conseguirá, atuando na infância e pela infância”. E precisa o seu pensamento:
“Esta conceção considerar-se-á velha, mas pelo espírito do sr. Ferrière como que conquista um espírito novo, impondo uma verdadeira revolução semelhante à de Copérnico na posição da Escola. Ela coage-nos a ver na Escola não a continuadora do que é, mas o início do que deve ser”.
Para o douto Professor da Universidade conimbricense a vida é uma tarefa a realizar com um sentido que supõe uma conceção do homem, em ordem a um fim:
“Eu creio (...) que a Vida, na multiplicidade admirável dos seus aspetos, possui um sentido especificamente humano. A vida para o homem supõe necessariamente uma arte de viver, quero dizer, a ordenação hierárquica de fins e uma escolha de meios para a satisfação desses fins. O que é a atividade educadora senão a instauração das manifestações espirituais segundo uma ideia diretiva central, a subordinação do caos aos instintos e das tendências à ordem e ao equilíbrio? Esta ideia é o fim supremo da educação, porém a sua determinação constitui um tema de magnos dissídios. Como é óbvio, esta ideia é uma ideia essencialmente filosófica”. E o ilustrado pedagogista continua:
“É que a pedagogia para além da técnica, que é de fundamentação científica, e na qual cada vez mais verificamos uma marcha para a aceitação unânime, isto é, para a uniformidade dos métodos, tem um conteúdo filosófico, pois supõe necessariamente uma conceção do homem e da sua essência metafísica, assim como dos fins supremos da cultura”.
Sobre o objetivo da educação e aos valores a ela inerentes, assevera o sábio educador:
“Eu penso que o alvo da educação é, no estádio atual da humanidade, a autonomia da pessoa e a liberdade moral, como foi em épocas volvidas, a virtude cívica entre os romanos, e o reino de Deus, na cristandade medieval”. E conclui o nosso sage:
“Esta autonomia e liberdade pessoal que conduz a situar o centro da atividade educacional na vontade, que não apenas na inteligência e no sentimento, não excluem os valores religiosos, na medida em que se consideram como ascensão do espírito na escala qualitativa dos valores, surgem precisamente como valores últimos e supremos, sob a condição, claro, que a noção de Deus não seja uma noção feita, mas que se faz, que evolui, como desenvolvimento do espírito, ou do que o sr. Ferrière chama l’ élan vital spirituel.”
Finalmente, o consagrado Historiador da Cultura e da Educação remata judiciosamente a sua notável Apresentação:
“Pela sua obra científica, o sr. Prof. Ferrière é dos pedagogos contemporâneos um dos que mais ardorosamente concorreu para a aceitação desta grande verdade dos nossos tempos: a existência de um saber de conteúdo pedagógico”. [Apresentação do Dr. Ferrière na sua conferência em Coimbra,1930, in Dicionário de Educadores Portugueses. Direção de António Nóvoa. Edições Asa, 2003].
E, ao jeito de conclusão, evoco o testemunho de outro grande nome de Professor e Educador, o Poeta ereirense, Afonso Duarte (1884-1958), que a propósito de Ferrière escreveu:
“Globalizador de todas as melhores experiências das Escolas Novas - edificando a Escola Ativa; filósofo do progresso espiritual - libertou-nos dos mitos da velha pedagogia; poeta para quem o homem é o templo do Espírito divino - eis Adolfo Ferrière, o animador do movimento internacional de educação”. [in Seara Nova, 1930. Publ. in “A Voz da Figueira”, Nov.2008].
João Figueira
João Figueira
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