segunda-feira, 8 de abril de 2013

José Pires Lopes de Azevedo (1923-2007) In Memoriam

           JOSÉ PIRES LOPES DE AZEVEDO (1923-2007) in MEMORIAM

      Sabíamos que nos últimos tempos não andava bem, situação que não era alheia o presente estado de saúde da sua querida esposa e nossa estimada colega, a dra. Adelaide Ribeiro. Ainda há duas semanas minha mulher e eu próprio fomos visitá-los, ela na sua casa da Rua Miguel Bombarda e ele no Hospital Distrital da Figueira, onde havia sido internado na véspera. Minha mulher disse-lhe que a esposa nos recebera com um sorriso muito lindo. Ato contínuo respondeu com um misto de ternura e alegria: “É o sorriso dela”. 
     Falou-nos de tal modo que dava gosto ouvi-lo sobre alguns dos seus planos para o futuro, mormente um tema tanto do seu interesse como do meu – o poeta Afonso Duarte. Porém, nada fazia prever um desfecho fatal tão rápido quanto inesperado...
    Conhecemos o casal há longos anos, desde os finais da década de sessenta, altura em que ambos eram responsáveis pelo Colégio Santa Catarina. Após o nosso estágio pedagógico bianual em Coimbra, fomos colocados no Liceu (velho) da Figueira. Decorria o ano letivo de 1967/68 e, a dada altura, demo-nos conta de uma ação cultural no Colégio referido, genericamente em torno do tema “Música”. Gostámos, inclusive a intervenção final do prof. Azevedo no seu jeito peculiar de interessar um auditório. 
     No ano imediato regressámos ao Liceu D. João III (hoje José Falcão), onde o casal Adelaide Ribeiro - José Azevedo, pouco tempo depois, também fez o estágio pedagógico na área das ciências histórico-filosóficas, necessário à profissionalização no ensino liceal. Durante uns escassos anos (três ou quatro) perdemo-nos de vista. A partir de Outubro de 75 fixámo-nos na Figueira para uma permanência de duas décadas na Escola Secundária (antigo Liceu), até à nossa aposentação.
Entretanto, o dr. Pires de Azevedo, terminada a comissão de serviço como diretor da Escola Preparatória de Montemor-o-Velho, regressa à Figueira, à Escola  que hoje se chama Escola Secundária Doutor Joaquim de Carvalho, nome que foi aceite face a uma bem fundamentada proposta do nosso colega. É neste estabelecimento de ensino que vai desenvolver e aprofundar uma importante e notável ação didática e pedagógica, quer a nível da lecionação curricular quer no âmbito multicultural da atividade circum-escolar.
    Neste particular, as suas mostras/exposições sobre temas culturais (v. g., o Renascimento, Açores, Timor, e muitos outros), e acerca de figuras ilustres (Joaquim de Carvalho, Afonso Duarte, David de Sousa, etc.), tornaram-se frequentes ao longo do tempo, tendo algumas delas sido apresentadas, para além da Escola, em terras vizinhas: Montemor, Coimbra, ou Ereira... 
Era um género de ocupação ao qual se dedicou de alma e coração, muito do seu gosto, e em cuja execução se revelou exímio. Registamos ainda alguns dos seus sumários no “livro de ponto”: sem sair do programa curricular, ensinou-nos que era possível aproveitar um evento ou tema cultural para tornar uma aula mais viva ou interessante. 
   Como colega tinha uma natural ascendência sobre os restantes professores do grupo e não só. Tal resultava não só da sua vasta cultura, mas também, e sobretudo, de um espírito aberto, de um trato afável, de uma discreta simplicidade e sábia maneira de estar na vida. A sua boa relação com os alunos era invejável, isto é, modelar. Um dia, perguntado sobre o seu peculiar modo de lidar com os alunos, respondeu com um sorriso nos lábios: “Sabe, foi fruto da experiência acumulada no ensino particular”. Possuía o dom daquela graça e fina ironia que orna alguns espíritos e distingue um ser humano pela positiva.
    Num dos nossos últimos “encontros”, não programados, no “Tubarão”, onde aterrávamos de quando em vez para dois dedos de conversa, saiu-se com esta: “Então..., hoje vamos dizer mal de quem?! Porém, face ao inusitado da situação, esclareceu que “o dito não era seu mas de um grupo de ´bem falantes´ da nossa praça que costumava iniciar as suas reuniões com o referido mote”. Ao longo de tantos anos de convivência, cerca de década e meia, nunca o vimos irritado ou fora de si com algo ou alguém. 
    Não nos vamos alongar noutras áreas ou atividades onde o seu espírito naturalmente se afirmou com reconhecido mérito. O gosto pelo jornalismo, mormente de feição cultural, desde os recuados tempos do “Mar Alto” até aos vários periódicos da cidade, sem discriminação, José Azevedo marcou presença assídua e brilhante. Participou ativamente em causas cívicas por convicção, em obediência aos ditames da sua consciência. Publicou livros, alguns de colaboração com a sua extremosa Esposa, sempre aquela grande Mulher que o apoiou ao longo da vida. No âmbito do Movimento Rotário local, de que era membro, temos conhecimento que foi um elemento assaz dinâmico, onde também deixou bem vincada a marca da sua passagem. A Autarquia Figueirense, num louvável gesto de justo reconhecimento pela sua postura cívica e pelo interesse e valor do conjunto da sua Obra, distinguiu-o oportunamente com a Medalha da Cidade. 
    Julgamos que duas gradas e ilustres figuras da Cultura Portuguesa terão marcado, de alguma forma, o espírito do dr. José  Pires de Azevedo: por um lado, o figueirense, Professor da Faculdade de Letras da U. Coimbra, Doutor Joaquim de Carvalho, filósofo e grande divulgador da Cultura Portuguesa, de quem o casal fora aluno; e por outro, o ereirense dr. Afonso Duarte, prof. da Escola Normal Primária Coimbra, poeta, pedagogo e etnógrafo. 
   No nosso último encontro/visita ao Hospital, falou-nos com entusiasmo de alguns planos que tinha em mente para os tempos imediatos. Um deles era a publicação do segundo volume da Obra Poética, do notável ereirense de quem tanto gostava e admirava. Chegámos mesmo a esboçar um plano de colaboração, dada a dificuldade de locomoção que o incomodava.
   Afinal nada feito! Mas não é isso que importa nessa hora saudosa de “A Dádiva Suprema” do seu adeus a esta vida, de que tão bem falou o “venerado” amigo poeta de longa data. 
Quanto a nós, ao menos sirvam de lenitivo aquelas admiráveis palavras: “ Morte não é fim de vida, / Quem o pensa a traz perdida / Depois da morte também”...// Morre a carne, vive o espírito”... (Afonso Duarte, Canto de Morte e Amor).