segunda-feira, 9 de maio de 2011

Crise e Responsabilidade


Estamos hoje todos imersos num novo mundo cujas mudanças se vão revelando cada vez mais rápidas e profundas. Paradoxalmente de valor positivo e/ou negativo. É assim a crise do nosso tempo entendida como um processo acelerado e ambíguo para melhor ou pior. Porém, este processo não é propriamente novo na História.
Já nos primórdios do séc. XX, o sociólogo Max Weber (1864-1920) confessava que num “mundo desencantado e sem mistério, temos de ser nós capazes de criar o sentido do que acontece no mundo e de ser responsáveis por isso”. Por seu turno, o Poeta ereirense, nos anos imediatos à Segunda Guerra Mundial, vaticinava com algum pessimismo que “Nunca houve tempo tão dúbio: / Cresce a árvore da ciência, / Chove para outro dilúvio”. (Afonso Duarte - Sibila, 1950).
Com efeito, dada a ambiguidade das consequências imprevistas das ações humanas, Max Weber propôs uma “ética de responsabilidade que sirva de prevenção ao devaneio utópico e às ilusórias convicções que, na prática, apenas têm conduzido ao sofrimento e à mutilação do homem”. Dir-se-ia que se abrira a Caixa de Pandora e libertaram-se os males que haviam de afligir a espécie humana dali em diante. Teria então terminado o tempo da “Idade da Inocência, a Idade de Ouro da Humanidade”, embora no fundo da Caixa restasse a Esperança. De alguma forma, este mito da Grécia Antiga pode-nos ajudar a compreender os tempos mais próximos de nós: a modernidade e a pós-modernidade.
Na verdade, a devastação provocada pela explosão das bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaki (1945) foi um evento profundamente expressivo da irresponsabilidade do homem sobre o Homem, bem como sobre a Natureza ambiente. Daqui para o futuro ficou muito claro o perigo que representa o poder do homem sem controle, nem limites. De igual passo, assistiu-se ao emergir do sentimento de inquietação pelos riscos do progresso científicotécnico generalizado/democratizado e do seu uso descontrolado e imprudente. Todavia, também não se ignora que alguns cientistas, e não só, começaram a tomar paulatinamente consciência da responsabilidade de tal poder sobre a Natureza.
Mas outros perigos entretanto foram surgindo: a manipulação do património genético do ser humano cujas alterações poderão conduzir a consequências futuras muito gravosas. A propósito registe-se que a investigação científica no âmbito das ciências da natureza produz conhecimentos mas, por razões de metodologia, omite o sujeito consciente, livre e responsável. Por outro lado, a tecnociência assumiu cada vez mais o papel de transformadora do mundo, na linha do fazer operativo e do poder. É neste contexto hodierno que a interpelação ética (área da reflexão filosófica...) alcança particular relevância em todos os momentos da investigação e produção tecnocientífica. De facto, quando o homem do saber se interroga sobre as consequências do seu mesmo saber, quando o sábio se interroga como Homem, é a sageza/sabedoria que adquire os seus direitos. É pois do diálogo entre ciência e sageza que poderá resultar a humanização do saber científico.
Como já aludi anteriormente, pelo poder da técnica o homem pode tornar-se inimigo do Homem, pondo em causa os equilíbrios biológicos e cósmicos que constituem os fundamentos vitais da Humanidade. A dimensão ética da responsabilidade é, pois, um apelo previdente, no sentido da prudência e/ou de soluções de equilíbrio, como mostrou lucidamente o filósofo Hans Jonas (1903-1993). Porém, a grande questão que hoje se coloca é saber se os governos e líderes políticos, com as suas opções habituais, estão à altura de responder adequadamente aos novos desafios e exigências.
Mas, como se tudo isto não bastasse, estamos confrontados no presente com uma avassaladora crise económica e financeira de dimensão global, inimaginável ao comum das pessoas bem recentemente. Como foi possível chegarmos a esta situação sem fim à vista? Ainda não há meia dúzia de anos, alguém com algum conhecimento na matéria dizia-me que, desde a época pós-moderna, a ética, por dispensável, ficou à porta do mundo da economia e da finança. Como leigo em tais assuntos, pareceu-me tratar-se de uma generalização apressada e portanto não lhe dei grande crédito, dada a lógica otimista do facilitismo dominante. Certo ou não... a verdade é que todo o mundo anda agora a clamar por transparência democrática, justiça e responsabilidade ética no setor económico-financeiro.
Por mim, fico naquela Esperança que resta no fundo da Caixa de Pandora da narrativa grega, a que aludi no início destas linhas.

João Figueira