quinta-feira, 14 de julho de 2011

Joaquim de Carvalho e o Veredito da História



Em 1989/10/27, com a presença do Senhor Presidente da República, Dr. Mário Soares, a Figueira da Foz homenageou um dos seus filhos mais ilustres, o Professor Doutor Joaquim de carvalho. Para além das intervenções evocativas da sua memória no Salão Nobre dos Paços do Concelho e da mostra bio-bibliográfica na Escola Secundária que adotou o seu nome como Patrono, os atos de mais forte e profundo significado foram porventura a concessão de título honorífico, a Grã Cruz da Ordem de Santiago da Espada, e a inauguração da estátua do eminente Mestre da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Com efeito, a Figueira da Foz acabava de saldar uma dívida antiga ao notável figueirense, erigindo-lhe uma estátua — obra de outra figura de relevo figueirense, Gustavo de Bastos, Professor / Mestre de Escultura da ESBAP —, a qual passou a embelezar a rotunda 31 de janeiro, não longe dos limites da apreciada Quinta do Pinhal, de Joaquim de Carvalho. Doravante, os figueirenses passam a defrontar-se com o símbolo de um dos maiores pensadores e estudiosas do mundo da cultura do séc. XX. Homem simples, de origens humildes, assim viveu e morreu, não obstante o mérito e prestígio alcançados aquém e além fronteiras. A sua estátua é bem a expressão dessa nobreza interior que faz a grandeza dos homens de escol. Joaquim de Carvalho não nos aparece vestido com as vestes talares doutorais da cátedra universitária —, ele que foi justamente uma das figuras de relevo mais destacadas.
Vítima de alguma injustiça e incompreensão de alguns enquanto peregrinou nesta vida, soube sempre encontrar o justo equilíbrio e a sabedoria bastante no meio de desafios e adversidades de vária ordem. O estudo, a reflexão, a contemplação filosófica a que se devotou denodadamente , transfiguraram a sua humanidade, tornando-o compreensivo, tolerante, justo e estruturalmente livre. Joaquim de Carvalho é uma glória da Figueira, uma personalidade de dimensão nacional e um cidadão da Europa e do mundo. Está de parabéns a comissão promotora desta jornada cultural. Pensando em 92, ano do Centenário de Joaquim de Carvalho, um dos elementos da referida comissão segredou-nos que perante tudo isto não sei o que poderemos fazer mais!... Tinha razão... mas certamente irão surgir ideias. E terminamos com as palavras finais de despedida de um dos seus filhos presente no funeral do pai muito amado, volvidos trinta e um anos: “Não tinhas medo à História. E a História há de julgar-te um dia, como um símbolo”.
Por nossa parte, pensamos que já começou o veredito da História. 

João Figueira, Crónica, in “O Dever”, Figueira da Foz, 1989/11/16.

terça-feira, 5 de julho de 2011

"O Sentimento de Deus em J. de Carvalho"


Por iniciativa da Câmara Municipal da Figueira da Foz, realizou-se no passado dia 10, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, uma palestra subordinada ao tema em epígrafe. O conferente convidado foi o Dr. Joaquim Montezuma de Carvalho, filho do ilustre figueirense que, se fosse vivo, faria anos neste dia —, o Professor Doutor Joaquim de Carvalho.
O presidente da Câmara, Eng. Aguiar de Carvalho, que se encontrava ladeado pelo vereador Dr. Armando Garrido, começou por referir-se a Joaquim de Carvalho... “grande vulto da Cultura Portuguesa”, e agradeceu a disponibilidade do orador, acedendo ao convite. Por seu lado, o Dr. Joaquim Montezuma, no uso da palavra, agradeceu o convite e a presença do público. Passou de seguida ao desenvolvimento do tema, citando o filósofo holandês Bento de Espinosa (1632-1677), de origem portuguesa, e o pensador francês Jacques Chevalier que, aquando da morte de Joaquim de Carvalho, afirmou tratar-se de “um católico sem o saber”. O orador mostrou a inconsistência desta interpretação, pois em Joaquim de Carvalho “o sentimento de Deus não provem da fé mas apenas da razão”. E de uma forma mais explícita: “Escrevendo sobre Espinosa, escreveu sobre si próprio”. Para Joaquim de Carvalho, “Deus é a cúpula do edifício mental; é a própria racionalidade”. Joaquim de Carvalho aproximou-se, assim, do “panteísmo da razão” do filósofo holandês, e por isso se distanciou da mundividência cristã/católica.
O palestrante referiu-se também ao “conceito de liberdade” como condição de criatividade, dizendo que Joaquim de Carvalho era “um amante da liberdade para si e para os outros”. Sobre as ideias políticas do pai, o ilustre orador esclareceu que “o pensamento de Joaquim de Carvalho não é de esquerda nem de direita, porque a razão é apartidária, na aceção de Joaquim de Carvalho”. Após palavras de profunda admiração pelo modo de estar na vida do seu progenitor, concluiu com uma referência a Fernando Pessoa: “Minha Pátria é a Língua Portuguesa”. De Joaquim de Carvalho pode também afirmar-se com propriedade: “Minha Pátria é a Cultura Portuguesa”.
Recorde-se que Joaquim de Carvalho nasceu em 10 de junho de 1892, na Travessa da Rua do Mato, São Julião, Figueira da Foz. Nós, que tivemos o privilégio de tê-lo com Mestre na Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra, no ano letivo de 1957/58, conservamos ainda na memória a grata lembrança de um homem culto, de uma grande lhaneza no trato. Esta evocação da memória do Professor Joaquim de Carvalho, da iniciativa da Cãmara Municipal, significou mais uma Homenagem a um dos filhos mais ilustres e diletos desta formosa Terra da Figueira da Foz, a qual laboriosa e justamente a dignificou, e engrandeceu o País, como historiador da Filosofia e da Cultura, pensador e ensaísta, erudito e professor. 

J. Figueira, Crónica, in “O Dever”, Semanário de Formação e Informação da Figueira da Foz, 85/06/12

domingo, 3 de julho de 2011

"Confluências..."


Mostra de pintura, de Maria Luisete Baptista, na Galeria Magenta da Figueira da Foz, de 06/18 a 2011/07/01.

Estive no ato da inauguração mas prometi regressar num dia mais calmo. Assim aconteceu em 07/01, acompanhado de minha mulher. O título da Exposição sugere que se trata de uma produção artística, na qual confluem múltiplas variáveis que englobam a experiência vivida, a idiossincrasia [nomeadamente o potencial de criatividade artística], as intertextualidades culturais conservadas ao longo da existência da Artista... Maria Luisete ofereceu-se espontaneamente para ser a nossa “cicerone”. Com natural senso pedagógico, começou por uma abordagem à técnica pictórica dominante na Exposição que dá pelo nome de “Encáustica”, cuja origem remonta aos tempos da Antiguidade clássica. Fomos assim introduzidos no maravilhoso universo da Arte.

Ao longo da visita, a Pintora teve o cuidado de, a par e passo, ir dando as “dicas” estritamente necessárias ao processo de purificação sensorial - fase absolutamente necessária à fruição espiritual da Beleza em si. Como por magia, o nosso espírito foi penetrando no mundo poético/onírico e fantasmagórico de formas cromáticas de rara beleza, aparentemente/intencionalmente desordenadas/ambíguas, em ordem a proporcionar o olhar interativo do observador no ato de contemplação da obra artística de Maria Luisete Baptista. Bem haja, Cara Amiga, por aquele tempo forte de consolação espiritual.