Constituindo um dos pilares do chamado "triângulo familiar", a criança continua a ser mal amada, diria mesmo, por vezes, objeto de atos infamantes com todo o peso de repulsa que o termo comporta. E não se pense que estou a enfatizar ou a dramatizar esta questão porque basta alguma atenção à comunicação social para nos darmos conta da dimensão dos problemas.
Apesar dos grandes progressos científicos alcançados acerca do conhecimento da criança no decurso do séc. xx, paradoxalmente a dignidade, consubstanciada nos "Direitos da Criança", continua ainda distante de ser cumprida na praxis do dia a dia. Claro que esta situação acontece não por culpa da criança mas do adulto, consciente ou não das consequências dos seus atos. Não se ignora que a permissividade dos comportamentos e o subjetivismo relativista que se projetam nos critérios de valor atuantes no tecido sociocultural de largas camadas da população, não são de molde a minorar a extensão e a gravidade dos problemas.
Porém, e em contraponto, há também esforços louváveis e iniciativas positivas, promissoras, públicas e privadas que acalentam as nossas esperanças no futuro. A Humanidade continua a enfrentar imensos desafios, e estes - a promoção e a dignidade da criança - são, seguramente, alguns deles. Porém, perde-se na memória dos tempos, eu diria mesmo que faz parte do património da Humanidade a condição de inocência tão celebrada ao longo da História, que fez da criança uma protagonista privilegiada. Muitos artistas, escritores, nomeadamente os poetas, têm enaltecido o fabuloso mundo da espontaneidade, simplicidade e inocência infantis.
Em suma: não pode ignorar-se, por ser particularmente interessante e elucidativo, que os progressos da Psicologia, na área da satisfação das necessidades e correspondentes motivações humanas, tenham conduzido à descoberta de uma certa correlação entre a satisfação de necessidades de nível elevado e a manifestação de certas caraterísticas e valores.
Assim, as pessoas que ascendem ao máximo desenvolvimento possível do seu potencial para a perfeição e a criatividade apresentam algumas características, tais como, a espontaneidade, o sentido ético e de valores; o gosto e a capacidade de apreciação da natureza, da arte, e também das crianças... Dir-se-ia que aquela criança que reside bem no fundo de cada um de nós acaba de alguma forma por revelar-se, quando estão reunidas as condições de auto-atualização das potencialidades de uma pessoa.
João Figueira
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