sábado, 26 de novembro de 2011

António Sardinha VS Afonso Duarte e a I República


Afonso Duarte (1884, Ereira de MMV - 1958, Coimbra) ruma a Coimbra em 1898 para cursar o Liceu, em regime de internato no Colégio Mondego. Aqui trava relações de camaradagem e igualmente de confidente literário com António Sardinha (1887, Monforte do Alentejo - 1925, Elvas) que se manterão ao longo do ciclo estudantil. Pouco antes do advento da República, a geração que se seguiu à greve académica de 1907 em Coimbra já se encontra organizada, integrando muitos dos seus membros o grupo dos Esotéricos, nome adotado da obra “Oaristos”(1890) de Eugénio de Castro -, livro onde o autor formula a poética simbolista em termos programáticos. Do grupo contam-se figuras que se destacam no âmbito da cátedra universitária, cultura e política: Cabral de Moncada, Paulo Merea, Veiga Simões, António Sardinha, Virgílio Correia, Sant´Iago Prezado, Alberto Monsaraz, Hipólito Raposo, Ladislau Patrício, Simeão Pinto de Mesquita e outros.
Afonso Duarte, esse, sem ser propriamente um Esotérico, simpatiza com o grupo no qual já fermentava o projeto que adotaria o nome de Integralismo Lusitano. Por outro lado, ambos, A. Duarte e A. Sardinha, não podiam deixar de ser permeáveis ao influxo da atmosfera dominante favorável à República e ao agnosticismo. Com a proclamação da República, a Universidade de Coimbra evolui “de uma instituição marcadamente eclesiástica” para uma “instituição laica”, segundo o Professor Joaquim Ferreira Gomes.
Mas voltemos à greve de 1907 que teve, como pretexto, a reprovação de um candidato republicano às provas magnas de doutoramento em Direito. Esta ocorrência desencadeou forte contestação da parte da massa estudantil coimbrã. A breve trecho os protestos de descontentamento atingiram uma dimensão nacional. A contestação estendeu-se às escolas superiores, secundárias e outras. Para ultrapassar a crise, João Franco, presidente do Conselho e ministro do Reino, cedeu, concedendo o indulto e a comutação das penas aplicadas aos cabecilhas da greve, mas, face à crise governamental, e com a anuência do Rei D. Carlos, ordenou o encerramento das Cortes, pelo que J. Franco passa a assumir poderes ditatoriais (1907).
Porém as reivindicações do corpo discente universitário, visando a reforma dos métodos de ensino, a abolição do foro académico, a eliminação dos procedimentos burocráticos retrógrados, a rotura do conservadorismo ideológico  vigente, não lograram os efeitos desejados. Chega-se ao cúmulo de apodar o lente de “inimigo comum” e mimosear a Academia de “Magna Besta” [apud Vitorino Nemésio, Perspetiva/Perfis...- Revista de Portugal, n.º 8, p. 548, VII/1939]. Dada a complexidade político-social do país que originou a greve e conduziu à ditadura franquista, esta, por sua vez, constitui o ponto de partida para os eventos que hão de abalar a estrutura político-monárquica vigente e marcar profundamente a História de Portugal: o Regicídio (1908) e a implantação da República (5 Outubro 1910). Com a nova ordem estabelecida algumas reivindicações dos académicos grevistas de 1907 são satisfeitas.
Entretanto Alberto Monsaraz, regressado de Paris, trouxera na bagagem a “Ênquete sur la Monarchie” de Charles Maurras (1868 - 1952), cujas ideias se fundam no apoio à Monarquia e adesão à Igreja Católica. Entregue o exemplar a Afonso Duarte, na expetativa da sua adesão à causa monárquica, este, acerca da questão da origem divina do poder régio, responde, com ironia: “Por Graça de Deus só os poetas”[apud V. Nemésio, Vida e Poesia...- Panorama, n.º 5, III Série, Rev. de Arte e Turismo].
Quanto a António Sardinha, inicialmente aderiu ao movimento republicano, pois acreditava que, com a vitória da República, fossem erradicados os erros do Constitucionalismo liberal. Porém, após a vitória, a breve trecho desiludiu-se, abraçando a causa monárquica. Com outros funda o Integralismo Lusitano (1914) que preconiza uma monarquia corporativa e orgânica, e, não obstante a divergência de fundo com A. Duarte, que se manterá fiel ao ideário republicano, Sardinha reconhece ter recebido do seu antigo colega e confidente literário incentivos na perspetiva tradicionalista do seu pensamento e ação. 

João Figueira. Crónica, in "A Voz da Figueira", março 2011

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