sexta-feira, 1 de março de 2013

Papa resigna


Nota prévia: No 1.º texto, o Papa faz uma abordagem sobre a magna questão das relações Fé-Razão através da História da Igreja e da Cultura. No 2.º texto, reflete sobre os conceitos de justiça e caridade; e a problemática socio-económica, desde finais do séc. XIX, numa clara distinção no que concerne ao domínio do estado e à esfera da Igreja — “A Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus”. No 3.º texto, o Santo Padre releva a urgência do diálogo das culturas e das religiões, segundo uma postura que conduza à Verdade, ao Bem e à Beleza. Por fim, Bento XVI analisa a “crise ecológica” atual, enfatizando, a esse respeito, a responsabilidade dos países industrializados, bem como das potências emergentes. Adverte para as nefastas consequências a nível planetário, se pouco ou nada for feito.
Nota final: A escolha dos textos não obedece a uma escala de valores em relação a outros documentos pontifícios. Todos são valiosos e importantes. A minha preferência por estes quatro é meramente pessoal, subjetiva. 
ALGUNS MOMENTOS DA VIDA PASTORAL DE BENTO XVI
1. “Fé, razão e universidade: recordações e reflexões”
O Santo Padre concorda que tudo o que é válido no desenvolvimento moderno do espírito, há-de ser reconhecido sem reservas. Porém, se é legítima toda a alegria em torno das possibilidades do homem, também há ameaças que resultam dessas mesmas possibilidades, o que nos deve levar a perguntar como poderemos dominá-las?  O sucesso será possível: 
1.º, se a razão e a fé se reencontrarem em diálogo de uma maneira nova; 
2.º, se for transposta a autolimitação imposta por uma razão que se confina apenas ao domínio do verificável experimentalmente;
3.º, se houver abertura da razão às interrogações das razões da fé.
Se tal acontecer, a razão voltará a ter o seu lugar no amplo diálogo das ciências e na universidade. E é urgente que tal aconteça para que: 
1.º, haja um verdadeiro diálogo das culturas e das religiões; 
2.º, a religião não seja subestimada, relegando-a para o plano das sub-culturas; 
3.º, sejam respeitadas as convicções religiosas mais íntimas, recolocando o Divino no âmbito da universalidade da razão. 
E conclui Bento XVI: a coragem da abertura ao vasto campo da razão, e não a rejeição da sua grandeza –, tal é o programa pelo qual uma teologia comprometida na reflexão sobre a fé bíblica entra no debate do tempo atual. (Discurso na Universidade de Ratisbona, 2006)
2. "Justiça e caridade" 
Desde o Oitocentos, vemos levantar-se contra a actividade caritativa da Igreja uma objeção, explanada depois com insistência sobretudo pelo pensamento marxista. Os pobres — diz-se — não teriam necessidade de obras de caridade, mas de justiça. As obras de caridade — as esmolas — seriam na realidade, para os ricos, uma forma de subtraírem-se à instauração da justiça e tranquilizarem a consciência, mantendo as suas posições e defraudando os pobres nos seus direitos. Em vez de contribuir com as diversas obras de caridade para a manutenção das condições existentes, seria necessário criar uma ordem justa, na qual todos receberiam a sua respectiva parte de bens da terra e, por conseguinte, já não teriam necessidade das obras de caridade. 
[Os pobres não teriam necessidade de obras de caridade, mas de justiça]. Algo de verdade existe — devemos reconhecê-lo — nesta argumentação, mas há também, e não pouco, de errado. É verdade que a norma fundamental do Estado deve ser a prossecução da justiça e que a finalidade de uma justa ordem social é garantir a cada um, no respeito do princípio da subsidiariedade, a própria parte nos bens comuns. Isto mesmo sempre o têm sublinhado a doutrina cristã sobre o Estado e a doutrina social da Igreja. 
Do ponto de vista histórico, a questão da justa ordem da coletividade entrou numa nova situação com a formação da sociedade industrial no Oitocentos. A aparição da indústria moderna dissolveu as antigas estruturas sociais e provocou, com a massa dos assalariados, uma mudança radical na composição da sociedade, no seio da qual a relação entre capital e trabalho se tornou a questão decisiva — questão que, sob esta forma, era desconhecida antes. As estruturas de produção e o capital tornaram-se o novo poder que, colocado nas mãos de poucos, comportava para as massas operárias uma privação de direitos, contra a qual era preciso revoltar-se. 
Forçoso é admitir que os representantes da Igreja só lentamente se foram dando conta de que se colocava em moldes novos o problema da justa estrutura da sociedade. Não faltaram pioneiros: um deles, por exemplo, foi o Bispo Ketteler de Mogúncia († 1877). Como resposta às necessidades concretas, surgiram também círculos, associações, uniões, federações e sobretudo novas congregações religiosas que, no Oitocentos, desceram em campo contra a pobreza, as doenças e as situações de carência no sector educativo. 
Em 1891, entrou em cena o magistério pontifício com a Encíclica Rerum novarum de Leão XIII. Seguiu-se-lhe a Encíclica de Pio XI Quadragesimo anno, em 1931. O Beato Papa João XXIII publicou, em 1961, a Encíclica Mater et Magistra, enquanto Paulo VI, na Encíclica Populorum progressio (1967) e na Carta Apostólica Octogesima adveniens (1971), analisou com afinco a problemática social, que entretanto se tinha agravado sobretudo na América Latina. O meu grande predecessor João Paulo II deixou-nos uma trilogia de Encíclicas sociais: Laborem exercens (1981), Sollicitudo rei socialis (1987) e, por último, Centesimus annus (1991). Deste modo, ao enfrentar situações e problemas sempre novos, foi-se desenvolvendo uma doutrina social católica, que em 2004 foi apresentada de modo orgânico no Compêndio da doutrina social da Igreja, redigido pelo Pontifício Conselho «Justiça e Paz». 
O marxismo tinha indicado, na revolução mundial e na sua preparação, a panaceia para a problemática social: através da revolução e consequente coletivização dos meios de produção — asseverava-se em tal doutrina — devia dum momento para o outro caminhar tudo de modo diverso e melhor. Este sonho desvaneceu-se. Na difícil situação em que hoje nos encontramos por causa também da globalização da economia, a doutrina social da Igreja tornou-se uma indicação fundamental, que propõe válidas orientações muito para além das fronteiras eclesiais: tais orientações — face ao progresso em ato — devem ser analisadas em diálogo com todos aqueles que se preocupam seriamente do homem e do seu mundo. 
Para definir com maior cuidado a relação entre o necessário empenho em prol da justiça e o serviço da caridade, é preciso anotar duas situações de facto que são fundamentais: 
A justa ordem da sociedade e do Estado é dever central da política. Um Estado, que não se regesse segundo a justiça, reduzir-se-ia a uma grande banda de ladrões, como disse Agostinho uma vez: «Remota itaque iustitia quid sunt regna nisi magna latrocinia?». Pertence à estrutura fundamental do cristianismo a distinção entre o que é de César e o que é de Deus (cf. Mt 22, 21), isto é, a distinção entre Estado e Igreja ou, como diz o Concílio Vaticano II, a autonomia das realidades temporais. O Estado não pode impor a religião, mas deve garantir a liberdade da mesma e a paz entre os aderentes das diversas religiões; por sua vez, a Igreja como expressão social da fé cristã tem a sua independência e vive, assente na fé, a sua forma comunitária, que o Estado deve respeitar. (Carta Encíclica Deus é Amor)

3. "Cultura e Fé no Centro Cultural de Belém com Bento XVI"
Bento XVI aproveitou a oportunidade da visita a Portugal para nos lembrar a “tradição cultural do povo português muito marcada pela milenária influência do Cristianismo, com um sentido de responsabilidade global, afirmada na aventura dos Descobrimentos, através da partilha do dom da fé com outros povos”. Perante a alteração do quadro de valores socioculturais dos novos tempos, a Igreja é chamada a uma postura dialogante, com culturas diferentes e religiões diversas, que comunique uma mensagem dirigida ao coração das pessoas, a cada pessoa de boa vontade, contribuindo deste modo  para a pacífica convivência dos povos.
O Papa recorda que a Igreja tem uma missão a cumprir ao serviço da Verdade “em prol de uma sociedade à medida do ser humano, da sua dignidade, da sua vocação”. Para tal, é necessário manter o diálogo com o mundo que conduza à Verdade, ao Bem e à Beleza -, numa atitude integradora do que há de válido noutras culturas e religiões. A Igreja interpela, mas também deixa-se interpelar. Só assim haverá um enriquecimento mútuo. “Esta é uma missão prioritária da Igreja, na qual se inclui o aprofundamento do conhecimento de Deus, tal como ele se revelou em Jesus Cristo para nossa total realização”, disse o Sumo Pontífice. 
O Santo Padre terminou o seu discurso com uma mensagem emoldurada de Optimismo e Esperança: “Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza”. E termino esta mensagem plena de sabedoria com as palavras do poeta: “Tu, palavra de poesia, / Só tu, humana e perfeita! / [...] / Pois só tu, por natureza, / Dás espírito à Beleza, / Tu, palavra de poesia! (Afonso Duarte, in “Canto de Babilónia”)

4. "O Papa e a crise ecológica"
Bento XVI dedicou a sua mensagem para o Dia Mundial da Paz 2010 (1 de Janeiro) à defesa do ambiente, falando numa "crise ecológica" e apelando à comunidade internacional para que tome medidas que travem as alterações climáticas.
O documento, apresentado esta Terça-feira no Vaticano, tem como tema "Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação".
“Compete à comunidade internacional e aos governos nacionais dar os sinais certos para enfrentar de modo eficaz as formas de exploração do ambiente que são prejudiciais para o mesmo”, diz Bento XVI, para quem é urgente “promover a pesquisa e a aplicação de energias de menor impato ambiental”.
O documento surge na reta final da Cimeira de Copenhaga, que procura um acordo global para travar os efeitos das mudanças climáticas. Para o Papa, é necessário reconhecer que “entre as causas da atual crise ecológica” está a “responsabilidade histórica dos países industrializados”.
A mensagem acrescenta, contudo, que também os países menos desenvolvidos e emergentes devem assumir as suas “próprias responsabilidades”, porque o “dever de adotar gradualmente medidas e políticas ambientais eficazes pertence a todos”.
Nesse sentido, defende o Papa, são precisos “cálculos menos interesseiros na assistência, na transferência dos conhecimentos e tecnologias menos poluidoras”.
Para proteger o ambiente, tutelar recursos e o clima, sugere Bento XVI, é fundamental respeitar “normas bem definidas, também do ponto de vista jurídico e económico”, tendo em conta “a solidariedade devida aos que habitam nas regiões mais pobres da terra e às gerações futuras”.
O Papa alerta para “os perigos que derivam do desleixo, se não mesmo do abuso, em relação à terra e aos bens naturais que Deus nos concedeu” e elenca um conjunto de problemáticas que derivam de fenómenos como as alterações climáticas: “A desertificação, a deterioração e a perda de produtividade de vastas áreas agrícolas, a poluição dos rios e dos lençóis de água, a perda da biodiversidade, o aumento de calamidades naturais, a desflorestação das áreas equatoriais e tropicais”.